domingo, 15 de novembro de 2009

Para reflexão com Diogo Mainardi

Postado em sábado, 7 de novembro de 2009 0:01

“Aqui, Claude Lévi-Strauss descobriu o homem reduzido à sua condição de molusco. Perseguido pelo nazismo na II Guerra Mundial, ele tentou refugiar-se no país, mas Getúlio Vargas, o molusco que naquele tempo presidia o Brasil, fechou-lhe as portas”.

Claude Lévi-Strauss descobriu o Brasil. O Brasil é assim mesmo: é descoberto e redescoberto continuamente, desde 1500. Se os portugueses, em 1500, descobriram o Brasil seguindo a corrente marinha, Claude Lévi-Strauss, quatro séculos mais tarde, em 1939, descobriu-o seguindo a linha telegráfica do marechal Rondon, em Mato Grosso. Ali, depois de se afastar da “escória de Cuiabá”, ele encontrou uma série de aldeias de índios em estado bruto, intocados pelos costumes do homem branco. Em particular, os nambiquaras.

Num de seus ensaios antropológicos, Claude Lévi-Strauss observou a indigência cultural dos nambiquaras e comparou-os a “uma raça gigante de formigas”. Eles se caracterizavam por ter orelhas grandes, por embriagar-se com “chicha”, por tocar uma música de uma nota só, por entreter-se cuspindo no rosto uns dos outros e por ignorar o estojo peniano devido à sua apatia sexual. Antes de Claude Lévi-Strauss, o geógrafo Edgar Roquette-Pinto já comparara os nambiquaras a “homens da Idade da Pedra”, acrescentando que a “pneumatose intestinal fá-los companheiros desagradáveis”. E o presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt, que passara por lá em 1914, acompanhado pelo marechal Rondon, dissera que os nambiquaras eram “ingênuos e ignorantes como animais domésticos”.

O contato com os nambiquaras deprimiu Claude Lévi-Strauss. Ele passou a se perguntar: “O que viemos fazer aqui? Com que esperança? Com que finalidade?”. Ele só conseguiu encontrar a resposta alguns anos depois, quando estabeleceu as bases do estruturalismo: “O maior interesse oferecido pelos nambiquaras é que nos defrontamos com uma das formas de organização social e política mais simples que se possam imaginar”. E prosseguiu: “A diferente estrutura do aparelho digestivo de homens, bois e moluscos não indica diferentes funções de seus sistemas digestivos. A função é sempre a mesma, podendo ser mais bem estudada e compreendida em suas formas mais simples, como a de um molusco”.

No Brasil, Claude Lévi-Strauss descobriu o homem reduzido à sua condição de molusco. Perseguido pelo nazismo na II Guerra Mundial, por ser judeu, ele tentou refugiar-se no país, mas Getúlio Vargas, o molusco que naquele tempo presidia o Brasil, simplesmente lhe fechou as portas. Claude Lévi-Strauss morreu na última semana. Setenta anos depois de seu contato com os nambiquaras, seguindo a linha telegráfica do marechal Rondon, nós ainda nos caracterizamos por tocar música de uma nota só, por cuspir no rosto uns dos outros e por sofrer de pneumatose intestinal. Nós ainda temos uma das formas de organização social e política mais simples que se possam imaginar. E nós ainda procuramos responder às mesmas perguntas: o que viemos fazer aqui? Com que esperança? Com que finalidade?

Por Diogo Mainardi

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