segunda-feira, 25 de outubro de 2010

José

E AGORA, José?
A FESTA acabou,
A LUZ apagou,
O POVO sumiu,
A NOITE esfriou,
E AGORA, José?
E AGORA, você?
VOCÊ que é sem nome,
QUE ZOMBA dos outros,
VOCÊ que faz versos,
QUE AMA, protesta?
E AGORA, José?

ESTA sem mulher,
ESTA sem discurso,
ESTA sem carinho,
Já não PODE beber,
Já não PODE fumar,
Cuspir já não PODE.
A noite ESFRIOU,
O dia não VEIO,
O bonde não VEIO,
O risco não VEIO,
NÃO VEIO a utopia,
E tudo ACABOU,
E tudo FUGIU,
E tudo MOFOU,
E AGORA, José?

E AGORA, José?
SUA DOCE palavra,
SEU INSTANTE de febre,
SUA GULA e jejum.
SUA BIBLIOTECA.
SUA LAVRA de ouro,
SEU TERNO de vidro,
SUA INCOERÊNCIA,
Seu ódio - E AGORA?
COM A CHAVE na mão,
Quer ABRIR a porta,
Não EXISTE porta.
Quer MORRER no mar,
Mas o MAR secou.
Quer IR para Minas,
MINAS não há mais,
José e AGORA?

Se você GRITASSE,
Se você GEMESSE,
Se você TOCASSE,
A VALSA Vienense,
Se você DORMISSE,
Se você CANSASSE,
Se você MORRESSE,
Mas você não MORRE,
VOCÊ É DURO, José!

SOZINHO no escuro,
Qual BICHO-do-mato,
SEM TEOGONIA,
SEM PAREDE nua,
para se ENCOSTAR,
SEM CAVALO preto
QUE FUJA a galope,
Você MARCHA, José?
José, PARA ONDE?



CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

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