Educação Permanente em Saúde
A Educação Permanente em Saúde pode
corresponder à Educação em Serviço, quando esta coloca a pertinência dos
conteúdos, instrumentos e recursos para a formação técnica submetidos a um
projeto de mudanças institucionais ou de mudança da orientação política das
ações prestadas em dado tempo e lugar. Pode corresponder à Educação Continuada,
quando esta pertence à construção objetiva de quadros institucionais e à
investidura de carreiras por serviço em tempo e lugar específicos. Pode, também,
corresponder à Educação Formal de Profissionais, quando esta se apresenta amplamente
porosa às multiplicidades da realidade de vivências profissionais e colocase em
aliança de projetos integrados entre o setor/mundo do trabalho e o setor/mundo
do ensino.
Para muitos educadores, a Educação
Permanente em Saúde configura um desdobramento da Educação Popular ou da
Educação de Jovens e Adultos, perfilando-se pelos princípios e/ou diretrizes
desencadeados por Paulo Freire desde Educação e Conscientização/Educação como
Prática da Liberdade/Educação e Mudança, passando pela Pedagogia do Oprimido,
Pedagogia da Esperança, Pedagogia da Cidade, Pedagogia da Autonomia e Pedagogia
da Indignação. De Paulo Freire provém a noção de aprendizagem significativa,
por exemplo.
Para outros educadores, a Educação
Permanente em Saúde configura um desdobramento do Movimento Institucionalista
em Educação, caracterizada fundamentalmente pela produção de René Lourau e
George Lapassade (Lourau, 1975; Lapassade, 1983 ou Lourau & Lapassade,
1972), que propuseram alterar a noção de Recursos Humanos, proveniente da
Administração e depois da Psicologia
Organizacional, como o elemento
humano nas organizações, para a noção de coletivos de produção, propondo a
criação de dispositivos para que o coletivo se reúna e discuta, reconhecendo
que a educação se compõe necessariamente com a reformulação da estrutura e do
processo produtivo em si nas formas singulares de cada tempo e lugar.
Dos institucionalistas provém a noção
de auto-análise e autogestão, por exemplo. A Educação Permanente em Saúde
configura, ainda, para outros educadores, o desdobramento, sem filiação, de
vários movimentos de mudança na formação dos profissionais de saúde, resultando
da análise das construções pedagógicas na educação em serviços de saúde, na
educação continuada para o campo da saúde e na educação formal de profissionais
de saúde. No caso brasileiro, em particular, verificamos, nos movimentos de
mudança na atenção em saúde, a mais ampla intimidade cultural e analítica com
Paulo Freire; nos movimentos de mudança na gestão setorial, uma forte ligação e
uma forte autonomia intelectual com origem ou passagem pelo movimento institucionalista5
e nos movimentos de mudança na educação de profissionais de saúde um intenso
engajamento, também com uma intensa produção original. É deste reconhecimento
nacional que tenho tangenciado, desde 2001 (Ceccim & Armani, 2001), a noção
de Quadrilátero da Formação, organizada mais recentemente no trabalho intelectual,
político e institucional com Laura Feuerwerker (Ceccim & Feuerwerker,
2004a).
Para fins deste debate, destaco que
aquilo que deve ser realmente central à Educação Permanente em Saúde é sua porosidade
à realidade mutável e mutante das ações e dos serviços de saúde; é sua ligação
política com a formação de perfis profissionais e de serviços, a introdução de
mecanismos, espaços e temas que geram auto-análise, autogestão, implicação,
mudança institucional, enfim, pensamento (disruptura com instituídos, fórmulas
ou modelos) e experimentação (em contexto, em afetividade – sendo afetado pela
realidade/afecção).
Exercício da Educação Permanente em
Saúde
Além da velocidade com que
conhecimentos e saberes tecnológicos se renovam na área da saúde, a
distribuição de profissionais e de serviços segundo o princípio da acessibilidade
para o conjunto da população o mais próximo de sua moradia – ou de onde
procuram por atendimento – faz com que se torne muito complexa a atualização permanente
dos trabalhadores. Torna-se crucial o desenvolvimento de recursos tecnológicos
de operação do trabalho perfilados pela noção de aprender a aprender, de trabalhar
em equipe, de construir cotidianos eles mesmos como objeto de aprendizagem individual,
coletiva e institucional.
Não há saída, como não há romantismo
nisso. Problemas como a baixa disponibilidade de profissionais, a distribuição
irregular com grande concentração em centros urbanos e regiões mais
desenvolvidas, a crescente especialização e suas conseqüências sobre os custos
econômicos e dependência de tecnologias mais sofisticadas, o predomínio da
formação hospitalar e centrada nos aspectos biológicos e tecnológicos da
assistência demandam ambiciosas iniciativas de transformação da formação de
trabalhadores.
Assim, ou constituímos equipes
multiprofissionais, coletivos de trabalho, lógicas apoiadoras e de
fortalecimento e consistência de práticas uns dos outros nessa equipe, orientadas
pela sempre maior resolutividade dos problemas de saúde das populações locais
ou referidas ou colocamos em risco a qualidade de nosso trabalho, porque sempre
seremos poucos, sempre estaremos desatualizados, nunca dominaremos tudo o que
se requer em situações complexas de necessidades em/direitos à saúde.
A complexidade fica ainda maior em
situações concretas, nas quais a presença de saberes tradicionais das culturas
ou a produção de sentidos ligada ao processo saúdedoença-cuidado-qualidade de
vida pertence a lógicas distintas do modelo racional científico vigente entre
os profissionais de saúde, pois não será sem a mais justa e adequada composição
de saberes que se alcançará uma clínica que fale da vida real, uma clínica com
capacidade terapêutica.
Um dos entraves à concretização das
metas de saúde tem sido a compreensão da gestão da formação como atividade
meio, secundária à formulação de políticas de atenção à saúde. Nem é dirigida
às políticas de gestão setorial ou das ações e dos serviços de saúde e nem é
compreendida como atividade finalística da política setorial.
Tradicionalmente, falamos da formação
como se os trabalhadores pudessem ser administrados como um dos componentes de
um espectro de recursos, como os materiais, financeiros, infraestruturais etc.
e como se fosse possível apenas “prescrever” habilidades, comportamentos e
perfis aos trabalhadores do setor para que as ações e os serviços sejam
implementados com a qualidade desejada. As prescrições de trabalho, entretanto,
não se traduzem em trabalho realizado/sob realização.
As reformas setoriais em saúde têm-se
deparado regularmente com a necessidade de organizar ofertas políticas
específicas ao segmento dos trabalhadores, a tal ponto que esse componente (o
“Recursos Humanos”) chegou a configurar uma área específica de estudos nas
políticas públicas de saúde. Parece-nos impostergável assegurar à área da formação,
então, não mais um lugar secundário ou de retaguarda, mas um lugar central, finalístico,
às políticas de saúde. A introdução desta abordagem retiraria os trabalhadores da
condição de “recursos” para o estatuto de atores sociais das reformas, do
trabalho, das lutas pelo direito à saúde e do ordenamento de práticas
acolhedoras e resolutivas de gestão e de atenção à saúde.
A introdução da Educação Permanente
em Saúde seria estratégia fundamental para a recomposição das práticas de
formação, atenção, gestão, formulação de políticas e controle social no setor
da saúde, estabelecendo ações intersetoriais oficiais e regulares com o setor
da educação, submetendo os processos de mudança na graduação, nas residências,
na pós-graduação e na educação técnica à ampla permeabilidade das necessidades/direitos
de saúde da população e da universalização e eqüidade das ações e dos serviços
de saúde.
Uma ação organizada na direção de uma
política da formação pode marcar estas concepções na gestão do sistema de
saúde, mas também demarca uma relação com a população, entendida como cidadãos
de direitos. Tal iniciativa pode fazer com que os cidadãos reconheçam tanto a
preocupação com a macropolítica de proteção à saúde, como com o desenvolvimento
de práticas para a organização do cotidiano de cuidados às pessoas, registrando
uma política da valorização do trabalho e do acolhimento oferecido aos usuários
das ações e dos serviços de saúde, tendo em vista a construção da acessibilidade
e resolutividade da atenção e do sistema de saúde como um todo e o desenvolvimento
da autonomia dos usuários diante do cuidado e da capacidade de gestão social
das políticas públicas de saúde.
Fontes:
Interface - Comunic, Saúde, Educ, v.9, n.16, p.161-77,
set.2004/fev.2005
Google Imagens
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