A incrível história do homem que entrou na sua própria cabeça
Ou a incrível metáfora
do escritor por ele mesmo
Por Sergio Trentin
Posted: 21 Jun
2015
Essa história se passa
em uma floresta cheia de mágica. Ou em uma cidade caótica. Ou nos fundos de uma
cafeteria. Ou na página em branco do jornal de ontem. É a metáfora dela mesma.
A metáfora por si só. A metametáfora. Algo por aí, ou coisa parecida. É qualquer
história. Acontece em qualquer ambiente. Pode ser o que (e como) preferir.
Essa é a incrível
história do homem que descobriu como entrar na própria cabeça. Não no sentido
contemplativo do ser, não durante uma meditação indiana onde abordou a excelência
da alma, mas entrar na própria cabeça pelo simples fato de entrar na própria
cabeça. Sem imaginar porta ou janela. Só entrando.
Mas vamos tornar as
coisas mais claras. Apesar de tudo já ter começado, os fatos se desenrolaram
assim:
Não abriu os olhos, mas
tinha plena consciência: estava acordado. Outra vez aquele vazio no estomago o atingia às 3h da madrugada.
Não era fome. Era como estar perdido em um texto com parágrafos irregulares,
com certa falta de pontuação e — aparentemente — desconexo em si. Ainda de
olhos fechados, imaginou-se entre uma frase curta e algumas reticências soltas.
Tentou abrir os olhos.
E foi isso.
Só isso. Ele não havia
buscado estado de inconsciência, sequer pretendia divagar muito sobre qualquer
coisa. Estava lá, analisando as paredes ósseas do seu crânio e os
tecidos — sejam quais forem — que revestem o cérebro. Piscou com força.
Estava realmente dentro
da própria cabeça. Era uma miniatura completa de si, analisando o interior de
uma parte. Consciente do paradoxo, passou a mão pelos fios bagunçados de
cabelo. Sacudiu-se. Afinal, sempre pode ser um sonho. Podia acordar a qualquer
momento. Piscou com força. Depois da segunda piscada, o ambiente neural
transformara-se em uma biblioteca.
Pulou. Mas pensando
inteiramente no momento da queda. Quando, com seu peso e com o bater estrondoso
e firme dos pés voltaria para sua cama.
Mas nada aconteceu.
Conseguiu mesmo sentir o formigamento nos pés. Incrível.
Verificou a aliança e
passou a mão no rosto. Percebeu que estava sem os óculos e enxergava
normalmente. Aliviou-se. Nunca usava óculos nos sonhos. Viu, então, aquele
livro grosso que gostava tanto. Não conseguia lembrar o nome ou o autor. Estava
ali, bem no alto de uma das milhares de estantes que seu cérebro havia se
tornado.
Pulou. Dessa vez
visando o topo da estante. Queria alcançar o livro. Que deslizou para a sua mão
e escorregou. Acertando o dedo. Bem o dedo mindinho. “Com certeza estou
acordado”, refletiu sobre a dor. Só existia dor no mundo real.
A reação dolorida
combinada ao estado confuso de irrealidade fez com que surgisse sua velha
amiga, a raiva. Chutou, então, o livro pra longe. E notou que era mais leve do
que o volume indicava. O objeto deslizou por um longo tapete acinzentado que
tomava todo o chão. Pouco antes de parar, havia se transformado em outra coisa.
Uma fita VHS! Aqueles sim eram bons tempos. Voltava a se agarrar na ideia de
sonho.
Correu atrás da fita.
Ela ficou parada esperando.
Pegou-a. Levou até o
videocassete que surgiu na altura de seu peito, na estante bem em frente.
Aquele velho barulho da
fita se assentando nas engrenagens pré-tecnológicas fez com que abrisse um
sorriso como há tempos não fazia.
Apertou o botão de
rebobinar. Esperou que o trabalho fosse feito.
Não havia televisão. A
história começou em sua cabeça (ou metacabeça) antes de apertar o play.
Estava
tudo bem. Imaginava a história que acontecia em uma floresta cheia de mágica.
Ou em uma cidade caótica. Ou nos fundos de uma cafeteria. Ou em uma praia
florida. Ou na página em branco do jornal de ontem.
E todos esses lugares
eram seus. Por ora, isso bastava.
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