Sertão
Coração de gente — o escuro, escuros.
Quem ama é sempre
muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.
Querer o bem com demais
força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar.
No sistema de jagunços,
amigo era o braço, e o aço!
Amigo, para mim, é só
isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual,
desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os
todos sacrifícios.
Ou — amigo — é que a
gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.
O amor? Pássaro que põe
ovos de ferro.
Vivendo, se aprende;
mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.
A colheita é comum, mas
o capinar é sozinho.
O diabo é às brutas;
mas Deus é traiçoeiro!
O diabo na rua, no meio
do redemunho.
O Arrenegado, o Cão, o
Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo, o Homem, o Tisnado, o
Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa-Ruim, o Mafarro, o Pé-Preto, o Canho, o
Duba-Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não-sei-que-diga, O-que-nunca-se-ri, o
Sem-Gracejos... Pois, não existe! E se não existe, como é que se pode se
contratar pacto com ele?
Quem muito se evita, se
convive.
Julgamento é sempre
defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.
O que lembro, tenho.
Mestre não é quem
sempre ensina, mas quem de repente aprende.
Quem mói no asp'ro não
fantaseia.
Quando se curte raiva
de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe
durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente.
Vingar... É lamber,
frio, o que outro cozinhou quente demais.
Quem sabe do orgulho,
quem sabe da loucura alheia?
Ser chefe — por fora um
pouquinho amargo; mas, por dentro, é risonhas flores.
Um chefe carece de saber
é aquilo que ele não pergunta.
Comandar é só assim:
ficar quieto e ter mais coragem.
Toda saudade é uma
espécie de velhice.
Riu de me dar nojo. Mas
nojo medo é, é não?
Um sentir é do
sentente, mas outro é do sentidor.
Tudo é e não é.
Mocidade é tarefa para
mais tarde se desmentir.
Sertão é onde manda
quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!
O sertão é do tamanho
do mundo.
Sertão é dentro da
gente.
O sertão é sem lugar.
O sertão não tem
janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão,
ou o sertão maldito vos governa.
O sertão não chama
ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena.
O sertão é uma espera
enorme.
Sertão: quem sabe dele
é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando
ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.
A vida é ingrata no
macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero.
A vida é muito
discordada. Tem partes. Tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem as caras
todas do Cão e as vertentes do viver.
Manter firme uma
opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso.
Viver — não é? — é
muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o
viver mesmo.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniões...
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniões...
Feito flecha, feito
fogo, feito faca.
Vi: o que guerreia é o
bicho, não é o homem.
Até que, um dia, eu
estava repousando, no claro estar, em rede de algodão rendada. Alegria me
espertou, um pressentimento. Quando eu olhei, vinha vindo uma moça. Otacília.
// Meu coração rebateu, estava dizendo que o velho era sempre novo. Afirmo ao
senhor, minha Otacília ainda se orçava mais linda, me saudou com o salvável
carinho, adianto de amor.
João Guimarães Rosa
Fonte
Google Imagens
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá, obrigado pela sua visita, espero que tenha gostado do meu Blog e do que encontrou nele e, retorne sempre que quiser, estou esperando você aqui de novo! Que tal deixar um recado!