Por Stephen Kanitz
Um dos maiores choques de minha
vida foi na noite anterior ao meu primeiro dia de pós-graduação em
administração. Havia sido um dos quatro brasileiros escolhidos naquele ano, e
todos nós acreditávamos, ingenuamente, que o difícil fora ter entrado em
Harvard, e que o mestrado em si seria sopa. Ledo engano.
Tínhamos de resolver naquela
noite três estudos de caso de oitenta páginas cada um. O estudo de caso era uma
novidade para mim. Lá não há aulas de inauguração, na qual o professor diz quem
ele é e o que ensinará durante o ano, matando assim o primeiro dia d aula. Essas
informações podem ser dadas antes. Aliás, a carta em que me avisaram que fora
aceito como aluno veio acompanhada de dois livros para ser lidos antes do
início das aulas.
O primeiro caso a ser resolvido
naquela noite era de marketing, em que a empresa gastava boas somas em
propaganda, mas as vendas caíam ano após ano. Havia comentários detalhados de
cada diretor da companhia, um culpando o outro, e o caso terminava com uma
análise do presidente sobre a situação.
O caso terminava ali, e ponto final.
Foi quando percebi que estava faltando algo. Algo que nunca tinha me ocorrido
nos dezoito anos de estudos no Brasil. Não havia nenhuma pergunta do professor
a responder. O que nós teríamos de fazer com aquele amontoado de palavras? Eu,
como meus quatro colegas brasileiros, esperava perguntas do tipo “Deve o
presidente mudar de agência de propaganda ou demitir seu diretor de marketing?”.
Afinal, estávamos todos acostumados com testes de vestibular e perguntas do
tipo “Quem descobriu o Brasil?”.
Harvard queria justamente o
contrário. Queria que nós descobríssemos as perguntas que precisam ser respondidas
ao longo da vida.
Uma reviravolta e tanto. Eu estava
acostumado a professores que insistiam em que decorássemos as perguntas que
provavelmente iriam cair no vestibular.
Adorei esse novo método de
ensino, e quando voltei para dar aulas na Universidade de São Paulo, trinta
anos atrás, acabei implantando o método de estudo de casos em minhas aulas. Para
minha surpresa, a reação da classe foi a pior possível.
“Professor, qual é a pergunta?”,
perguntavam-me. E, quando eu respondia que essa era justamente a primeira
pergunta a que teriam de responder, a revolta era geral: “Como vamos resolver
ma questão que não foi sequer formulada?”.
Temos um ensino no Brasil voltado
para perguntas prontas e definidas, por uma razão muito simples: é mais fácil
para o aluno e também para o professor. O professor é visto como um Sávio, um
intelectual, alguém que tem solução para tudo. E os alunos, por comodismo,
querem ter as perguntas feitas, como no vestibular.
Nossos alunos estão sendo levados
a uma falsa consciência, o mito de que todas as questões do mundo já foram formuladas
e solucionadas. O objetivo das aulas passa a ser apresentá-las, e a obrigação
dos alunos é repeti-las na prova final.
Em seu primeiro dia de trabalho
você vai descobrir que seu patrão não lhe perguntará quem descobriu o Brasil e
não lhe pagará um salário por isso no fim do mês. Nem vai lhe pedir para,
resolver “4/2 = ?”. Em toda a minha ida profissional nunca encontrei um
quadrado perfeito, muito menos uma divisão perfeita, os números da vida sempre
terminam em longas casas decimais.
Seu patrão vai querer saber de
você quais são os problemas que precisam ser resolvidos em sua área. Bons administradores
são aqueles que fazem das melhores perguntas, e não os que repetem suas
melhores aulas.
Uma famosa professoras de
filosofia me disse recentemente que não existem mais perguntas a ser feitas,
depois de Aristóteles e Platão. Talvez por isso não encontramos solução para os
inúmeros problemas brasileiros de hoje. O maior erro que se pode cometer na
vida é procurar soluções certas para os problemas errados.
Em minha experiência e na da
maioria das pessoas que trabalham no dia-a-dia, uma vez definido qual é o
verdadeiro problema, o que não é fácil, a solução não demora muito a ser
encontrada.
Se você pretende ser útil na
vida, aprenda a fazer boas perguntas mais do que sair arrogantemente ditando
respostas. Se você ainda é um estudante, lembre-se de que não são as respostas
que são importantes na vida, são as perguntas.
Stephen Kanitz é administrador
por Harvard (www.kanitz.com.br)
Publicado na Revista Veja: Ponto
de vista, Edição 1898. 30 de março de 2005
Stephen Kanitz
Fontes
Google Imagens
Revista Veja - edição 1898
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